10 de fevereiro de 2016

Amores Antigos

Uma história sobre a vida de um casal juntos

“Meu Deus, estou morrendo!”– ela ouviu um grito vindo da direção do banheiro, parecia ser a voz do esposo. Esperou um segundo e sentiu alivio quando ouviu novamente sua rouca voz resmungona: “Eu acabo de atingir meus 70 anos, eu olho nesse espelho e percebo que nem sequer fiz alguma coisa de boa nessa vida… perdi tanto tempo com porcarias que não me adiantaram em nada… sou apenas mais um velho que passou… ”
A esposa desligou a tevê pelo controle remoto, ajeitou os óculos – pois parecia que o assunto era mesmo sério e exigia atenção dela – e pôs-se a falar: “Como assim Alfredo? Construímos uma família maravilhosa juntos. Pare de dizer bobeiras.”
Os poucos cabelos que sobraram na cabeça ainda estavam semi-secos e despenteados, ele ainda enxugava os vãos da orelha, e respondeu de imediato: “Não Rita, não tô falando disso! Tô me referindo a algo que alguém não tenha feito antes sei lá… esses negócios de família, casamento, filhos… é só uma coisa que a sociedade estabeleceu para que obrigatoriamente possamos contribuir com o estado, e isso está estabelecido socialmente desde o dia que nascemos… não tem como fugir…”


A esposa fez uma cara de reprovação e retrucou: “Calma lá, quer dizer então que esses 50 anos juntos não significam nada pra você? Você tá biruta, benhê… O que você andou lendo, ein véio?”– ela fazia referência aos livros existencialistas que outro dia o viu comprar em um sebo, e continuou a bronca: “… já não está com a cabeça boa e ainda fica pensando em besteiras a essa altura do campeonato? Deixa disso.”
Ele sentiu necessidade de esclarecer e foi logo falando: “Você tá entendendo tudo errado! Quero dizer que eu fiquei trabalhando a vida toda, pra construir uma família, uma casinha, uma reputação, mas isso não adianta de nada, entendeu? Eu queria mesmo era viver mais, ter mais saúde, para poder investir em outras coisas. Que droga de perspectiva de vida é essa que a gente morre e ninguém mais se lembra de nós?”.
Rita considerou que no fundo tivesse um pouco de verdade nas palavras dele, mas ela era daquele tipo que não se deixava abalar por essas conversas, levantou da cadeira com dificuldade, foi em pequenos passos lentos até ele, o abraçou fortemente mesmo ele estando meio molhado ainda e com pressa, foi logo contrapondo: “Ah, meu amor, a vida passa mesmo… não tem jeito. Mas sabe o que é o melhor de tudo isso? É que ela passa acompanhada de um monte de gente que faz a gente feliz, e que acima de tudo, Fredo, eu ainda continuo te amando como se você fosse aquele menino lindo que conheci.”
Ele deu uma pausa.  Juntos resgataram da memória as vezes que ela falou que tava “tudo bem” quando ele a chateou das vezes que o motivou quando ele quis desistir de sonhar, da vez em que ele esteve doente ao ponto de achar que ia morrer, mas ela ficou do lado a noite toda, da vez que chegou a casa chateado com o patrão e ela o consolou, lembrou-se também da vez em que, ainda adolescentes, discutiram fervorosamente, mas depois de pouco tempo se redimiram com um abraço e prometeram nunca mais se chatear um ao outro por bobeiras , e então, abriu um leve sorriso e disse: “ Se eu não tivesse você… O que seria de mim ein?”
Ela pensou em mil hipóteses. Pensou que ele poderia ter se casado com a velha namorada, pensou no sonho que ele tinha de ser piloto de avião, mas que havia abandonado por causa dela, das vezes que ele recusou um bom convite apenas para não desagradá-la, das vezes que mesmo do seu modo grosseiro disse que a amava, e naquele momento respondeu convicta de que a vida era soberana demais nos acontecimentos: “Se não me tivesse? Bobeira, você teria me conquistado de qualquer jeito.”
O senhor fez cara de satisfeito com a resposta e uma única coisa passou pela cabeça de ambos naquele momento: “Nada tira de nós a história de quem somos… juntos.”



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